terça-feira, 20 de julho de 2010

241-17

O jacto de água fria tocou nos cabelos e costas de Rafael. A tristeza que sentia fundiu-se com o frio que corria pela sua coluna, chocando com o arrepio que lhe escalou as costas até à nuca. Nunca antes pensara na morte daquela forma. Duas companheiras, duas amigas, duas cúmplices. Uma luta até ao fim. O resultado fora o seu desgosto pelo desaparecimento de uma e o inevitável destino da outra. A traição selvagem que se dera no seu quintal abrira-lhe os olhos. Via agora o mundo como quem perdera uma grande parte de si, sentia-se atraiçoado pela sobrevivente, destroçado pela derrotada, sozinho. Chorou. Mais uma vez, a tristeza fundia-se com a água fria que o gelava, adormecendo-lhe os músculos e toldando-lhe os sentidos. Precisava de dormência, de paz. De não sentir. O seu amigo dormia no sofá-cama da cave, e a sua presença transmitia-lhe alguma segurança. Ele presenciara tudo, do início ao fim. Mas tudo estava longe de acabar. Questionou-se mil vezes pelo motivo que levara a grande cadela malhada, Mantra, a atacar Luz. O medo, a raiva? Uma brincadeira fora dos limites? Nada fazia sentido, e mais mil vezes se questionou, até que se foi deitar. Recordava os momentos que passara com Luz, as brincadeiras, os ralhetes. As fotografias, os mimos. Todos os momentos ganharam vida novamente, lágrimas de saudade passearam pelos seus olhos e aterraram na almofada. Lembrou-se que não estava sozinho. Dinis acompanhara-o durante o dia, durante o processo de dar a notícia aos pais e irmãos, que se encontravam de férias no Sul do país, durante as refeições.
Agradeceu. Sorriu. Adormeceu.

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