segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Crónica de um (des)apaixonado



É como chuva no deserto, o amor verdadeiro. É escasso, é precioso de tão raro, mais desejado que qualquer outro bem. É vida, é do que somos feitos, de onde nasceu o Homem, a Mulher. É o único que apaga incêndios de discórdia, o único que mata a sede de mil e uma solidões, o único do qual nenhum animal racional pode abdicar, pois não consegue; o seu corpo não o permite. Mas o amor não cai do céu, nem se pode simplesmente mergulhar nele indo à praia, ou comprá-lo no quiosque da nossa rua. O amor encontra-se por acaso, como se encontram amigos que não se vêem há vários anos e dão por si no mesmo lugar, perplexos com a aparição um do outro. Encontra-se também como se encontra uma nota de 50€ no bolso daquelas calças muito antigas que estamos prestes a deitar fora; sempre lá esteve, mas já não nos lembrávamos de o ter guardado lá. É como um eclipse; é provável que só passemos por um durante as nossas vidas. É como jogar numa raspadinha aos 80 anos e ganhar; é irónico, é sublime, é surpreendente como acontece quando menos esperamos, quando menos queremos, quando menos dá jeito. Mas o amor é assim mesmo; nunca parece dar jeito, e quanto mais complicado fica mais sede nos dá, pois não há nada como encontrar o fruto proibido e com ele saciar a sede por ser o mais apetecido, por nos ser vital, essencial, absolutamente indispensável. Depois de o encontrar, aí sim, podemos viajar nele, mergulhar nele, afogarmo-nos nele. E a que cheira o amor? A que sabe? É como a água também, e quem diz que a água não tem cheiro nem sabor, nunca bebeu com verdadeira sede.

domingo, 29 de julho de 2012

Sombras de sombras

Observar é aprender sem palavras. Quando te sentas num banco de jardim, aprendes os trajectos dos pássaros, os comportamentos dos animais; observas a vida. Mas é nas pessoas que está a verdadeira aprendizagem. No sorriso que dão ao desconhecido, no olhar que lançam ao menos querido, na falsa simpatia que estendem ao vizinho. Atrás deles, de todos eles, seguem-se as sombras, mas essas não têm trejeitos. Não têm maneirismos, atitudes: imitam o que os seus originais fazem, e imitam-nos com perfeição, até que dás por ti a ver todas as pessoas a transformar-se em sombras umas das outras; e estas não são nada além de sombras de ninguém. Todos sorriem, todos dizem que fazem mas não fazem o que dizem, todos dão um com quinhentos na mão, todos lamentam falsamente ao dar um "Não"; todos o fazem, e poucos são a excepção. Muito falam, mas nada sabem, pois no fim, todos passam, e ninguém sabe de onde vem, nem para onde vai; mas todos caminham para muitos lugares, com a incerteza como destino comum.

sábado, 14 de julho de 2012

Amar.

Sabes que amas quando sentes aquele ardor
Aquela inquietação; um arrepio seguido de um tremor
O sorriso que floresce inocente, como uma linda cor
A euforia das borboletas, sem angústia nem dor

Como quando se revoltam com a traição
Quando te prendem num mundo sem perdão
Em que tudo perde o sentido, a conexão
E tu flutuas no abismo, e na sua imensidão
Te afogas lentamente, sem salvação.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Momentos Cinzentos

Momentos.
São suspiros, são rebentos
São abraços, beijos e alentos
São pequenos sentimentos
Que nos pesam, corpulentos
Que não esquecemos, macilentos.
Oh! Teimosos pensamentos
Que se aninham em nós, sonolentos
Como vampiros sanguinolentos
Que nos adormecem os talentos
Que nos deixam alterados, violentos
Com os corações apertados, turbulentos
Até que morramos, cinzentos.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Bota

Quando não se sente
Não se faz de conta, não se mente
Não se ri nem abraça,
Falsamente sorridente
Para que o outro não pense, amargamente
'Será que me ama de verdade?'
Mas sim, com o coração quente
'É para toda a eternidade'.
A pequena bota
Símbolo de promessa, de união
Serviria como gatilho para um futuro de paixão
De amor, de felicidade, do mais cru sentimento, embora vão
Pois a vida divide o caminho em mais de uma via
E, como seria de esperar quando as hipóteses são mais que uma
Enveredamos, hesitantes, por opções diferentes, agravantes
De um destino que vive, só, na utopia que construímos, confiantes.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Descontentamento

Sonho que tenho
O que ter não posso
Conto os dias, as horas, os momentos,
Os sorrisos, os lamentos
As dores sangrentas, os beijos enganosos
Os encontros ilusórios, piedosos,
E fugir parece o mais correto fazer
Desaparecer, para que o coração não mais me doa.
Mas é sublime, essa corrente invisível que me tens ao pescoço
Definitiva, espero que o não seja
Pois quero um dia poder dizer
"Sou eu a ter sem ter de sofrer".

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Corrompido

Amor abandonado num coração dorido, ferido
Que bebe o sorriso, que come o que lhe é devido
Que a solidão leva como seu, qual dado adquirido
Que mói, que geme, danificado, sofrido
Que sofre num palco vazio, de soalho polido
Chamado de consciência até que, meio despido meio vestido
Definha até ter, por completo, sumido
Deixando atrás de si um coração, um dia inteiro, agora partido.